modo de preparo...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Como é que se faz para escrever?

Os professores de redação enfrentam um desafio: incentivar seus alunos a escreverem*. As alegações destes são quase sempre as mesmas: "não tenho criatividade", "não sei escrever". Vez ou outra, entretanto, aparecem alguns com disposição para participar desta aventura. Em geral, eles também gostam de ler. Passam a fazer as tarefas de casa com capricho, escrevendo os textos pedidos com dedicação e criatividade. Lêem os escritos na sala de aula (resistindo, internamente, a timidez) e animam-se ainda mais quando recebem elogios dos colegas de sala e da professora.

Então, começam a escrever por conta própria, só pelo prazer em colocar as idéias no papel; às vezes, mostram estes textos para alguns amigos, que continuam a admirá-lo. Daí esses aventureiros fazem uma pequena "assembléia" num recreio qualquer, um olha pro outro, e um mais barbudo diz: "Poxa, porque não criamos um blog na internet onde todos nós, juntos, podemos postar textos?"

Aí vira a maior festa! Uma enxurrada de textos, agora, escritos ali na internet, pra todo mundo ver! É perder a vergonha e escrever sem medo de ser feliz! E não é que acaba saindo dali textos muito interessantes, dignos de comentários de muitos internautas amigos? A coisa é tão empolgante que até caricatura eles colocam no canto da página!

E tudo parece muito bonito até aparecer, do nada, uma força diferente de todas que essas pessoas já haviam experimentado. Uma Maria começa a rascunhar alguns textos mas pára antes de terminar, porque alguma coisa diz que o texto não está bom. Aquele barbudinho começa a arranjar mil outras coisas para fazer e acaba escrevendo menos frequentemente**. Um outro de mesmo nome, que já escrevia pouco, vai preguiçando, preguiçando... A outra menina, que até teoria de blocos unidimensionais esboçava, passa a recolher-se a outras peripécias da vida, ou melhor, deixa de se recolher à pequena salinha do blog do Toddy, e pára de escrever quase que completamente. E uma outra menina, tão meiga (que nunca foi na creche comigo) também, naquele seu jeitinho lenga-lenga-carinhoso, vai deixando de escrever...

A empolgação vai sumindo, e eles vão preferindo tédio ao Toddy.

Mas ninguém pode brigar com eles e obrigá-los a escrever! Porque a gente só escreve bem de verdade quando não há pressão, quando o texto sai assim, de repente, quando a gente quer. Ademais, todos tem sua vida, suas obrigações, e o blog não pode prender ninguém, a idéia é justamente o contrário, de ele ser sinônimo de liberdade. Se quase ninguém escreve mais, "paciência", como dizem.

Claro que sentimos falta dos textos sem maiúsculas da Dé, de frases pingadas, que continham nas entrelinhas o coração que ela julga (e eu também) maior que o mundo; dos textos introspectivos da Aline, tão naturalmente escritos, que retratavam em geral a "dor do mundo" (expressão que compreende as diversas dores da vida, tão infinitamente variadas e doídas); dos textos gramaticalmente corretos do Arthur, que com seu jeito todo incorretamente criativo, retratava alguns fenômenos da vida toddyana; dos textos gordos do Tchuca, tão recheados de informação das mais variadas e observações das mais perspicazes sobre uma infinidade de assuntos (cores, futebol, amizade...). A Paula, apesar de escrever mais (e também postar no seu blog), também nos faz sentir falta daqueles parênteses que dão múltiplos significados a uma mesma frase, falando de modo tão original (e por vezes tão intelectual!) de suas preocupações, pensamentos e teorias acerca do mundo, "do seu mundo", como ela gosta.

Será por que que pararam de escrever? É algo que me dá tanto prazer, tanto tesão, tenho certeza de que sentem a mesma coisa... Será que esqueceram como é que se faz? Logo eles, que sabem que o segredo para escrever bons textos é justamente o fato de não haver segredo algum! Será que não lembram que um texto grande e bonito pode acabar saindo de um fato do dia, de uma palavra apenas, de qualquer coisa? Será que falta fé nos seus rascunhos, será que não acreditam que eles possam valer um bom texto? Ou será que é só o tempo mesmo, esse comedor insaciável de textos, idéias e arte, que está atrapalhando o Leite com Toddy?

Pode ser, entretanto, problema de ordem mais profunda. Eu sou ainda muito burro nesses assuntos de alma, mas a Clarice Lispector me ajuda. Talvez meus amigos do Toddy possam estar passando por esta situação:

Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.


Neste caso, eu peço desculpas por importunar. Vocês estão em busca de uma verdade muito profunda, e acabam deixando de escrever por acreditarem que nunca a alcançarão. É uma atmosfera entediante que lhes diz que escrever não muda em nada, não faz diferença... Digo a vocês somente que é meu desejo também, um dia, escrever um texto com essa tal verdade profunda. Mas enquanto não chego lá, vou me divertindo em escrever verdades rasas! E quem me garante que, num desses mergulhos textuais, eu não consiga tocar rapidamente o fundo deste lago maluco?

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Este texto era para ser um protesto, mas eu não consigo protestar. Estou é com saudades mesmo!

* Nunca sei se é "escrever" ou "escreverem".

** O trema está sendo abolido oficialmente da língua portuguesa. :)

4 comentários:

pequena disse...

snif,snif...=( =T

não me importo mais em ter que agradar à Deus e o mundo, mas detesto despontar os amigos,principalmente você,Godoy.

Marra Signoreli disse...

Eu gosto do trema.

Anônimo disse...

Concordo com a Sta. Signoreli... Essa reforma é ridícula... Absurda!
Tá aí... vou escrever um texto sobre isso.

Mas sobre o seu texto, eu vou comentar no meu mesmo...hauhau

Marra Signoreli disse...

Tchuca, com o perdão da correção, não é Sta., rs... sou do sexo masculino.
Até.